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O encontro em Samarra: reflexões sobre o mercado financeiro brasileiro diante da economia verde durante a COP 28.

|03.12.2023

Pipeline Valor Econômico

Sócio responsável por ESG na JGP, Pugas traça um paralelo entre o conto oriental da Morte e a COP 28

Em “O Encontro em Samarra”, o dramaturgo, escritor e contista britânico William Somerset registra uma fábula contada pela Morte. Nesse conto oriental, a Morte esbarra em um desavisado criado pelas ruas do Bazar em Bagdá. Assustado, o criado procura seu Mestre e, em desespero, relata que a Morte havia olhado de forma ameaçadora para ele. Sentindo a necessidade de fugir, desafia a relação mestre-criado e suplica que lhe empreste seu cavalo para escapar da cidade e evitar seu destino fatal em uma cidade onde julgava estar protegido da Ceifadora. 

O mercador, compadecido, lhe empresta o cavalo, vendo-o partir acelerado rumo à Samarra. Na mesma tarde, o mercador encontra a Morte e, indagando por que assustou seu criado de maneira ameaçadora, recebe uma reviravolta marcante típica das histórias árabes. A Morte responde que não foi ameaçadora, mas sim surpreendida, pois naquela noite ela encontraria o criado em fuga não em Bagdá, mas alguns quilômetros mais longe, em Samarra.

Qual lição essa fábula guarda para o mercado financeiro brasileiro de hoje? Cento e vinte quilômetros separam Samarra e Bagdá, uma distância bem menor queos mais de 12 mil quilômetros que separam Brasília de Dubai. Devido à incapacidade de ler o rosto da Morte e interpretar o que era de fato – uma Morte surpreendida –em comparação ao que esperava ver – uma Morte que o capturaria na publicidade do Bazar – o criado partiu em direção ao seu inevitável encontro.

Encontro de líderes na Conferência do Clima COP 28 — Foto: Hollie Adams/Bloomberg

Para muitos no mercado financeiro brasileiro, a Economia Verde esbarrou conosco pelas ruas lotadas e confusas de um mundo em policrises. Ao olharem para ela, julgaram-na uma ameaça estrangeira capaz de nos prejudicar na frágil economia brasileira. Procrastinações e pressões por menos regulações transformaram-se nos cavalos que pertenciam a senhores duvidosos, carregando-os em direção a uma enganosa Samarra. Como o criado que acredita poder fugir da Morte, muitos agentes do mercado tentaram escapar da inevitável realidade da transição para aEconomia Verde. Entre a Morte e um capitalismo ecologicamente consciente, um atributo as une: ambas são inevitáveis.

Desde a primeira vez que li o breve Encontro em Samarra, um pensamento me perseguiu. E se o Criado tivesse decifrado a Morte? Entendido que ela estava surpresa e não condenatória? Teria mudado algo? Ele teria sobrevivido à Morte? Ainda não tenho uma resposta e possivelmente nunca a terei. Para minha sorte, o prazer da dúvida é muito mais satisfatório que a conclusão racional de uma
fábula.

Mas, na fábula moderna do Brasil confrontando a Economia Verde, se conseguirmos, desprovidos de medo e teorias conspiratórias, que a nova economia olhou com surpresa para o potencial que temos para liderá-la, e não com raiva destrutiva para aniquilar nossa economia, o que ganharemos? Se compreendermos que nosso destino não é Samarra, mas sim Dubai, e que esse destino é inevitável, qual diferença entre a fuga descoordenada para os Emirados e um uma caminhada firme e orgulhosa em direção a esse destino?

Confira a agenda da JGP na COP-28

Diferente da Morte, destruidora de existências, as Mudanças Climáticas, parteira da Economia Verde, foram e são criadas e alimentadas pelo Homem, inclusive por nós do Brasil. E em uma relação criatura e criador, ainda há um fiapo de controle que mantemos sobre esse Frankenstein climático. Se corrermos, perdemos essa última oportunidade. Se a grande delegação brasileira que deve ultrapassar os milhares na COP28 caminhar para Dubai ciente de nosso futuro e empoderada de nossos potenciais, não venceremos a Morte nem as Mudanças Climáticas, mas podemos dar esperança para as próximas gerações e posicionar nossa economia e mercado financeiro na vanguarda do novo ciclo econômico global.

Como país, temos feito nossos deveres de casa desde Sharm-al-Sheik. Os números de redução do desmatamento na Amazônia são encorajadores, a taxonomia verde brasileira posta em consulta pública sinaliza seriedade na regulamentação das finanças sustentáveis brasileiras, e finalmente sinalizamos que teremos um mercado regulado de carbono, proporcionando segurança jurídica a um dos principais players desse mercado no Brasil.

Ainda há muito a ser feito, começando pela expansão do sucesso da gestão de crise ambiental na Amazônia para o Cerrado e Pantanal, mas o caminho para Dubai é promissor. O mercado financeiro brasileiro deve entender essa caminhada para a COP28 e sua escala para a COP30 como uma oportunidade geracional para nos posicionarmos como líderes globais no debate das finanças sustentáveis. No entanto, isso não acontecerá se nossa atitude for de fuga.

Nessa fábula árabe moderna, ao esbarrarmos com a Economia Verde na lotada Expo City com seus 80 mil frequentadores, que nossa atitude perante ela seja de velhos amigos e de aceitação de que, assim como ela e a Morte, nosso protagonismo no novo ciclo da economia verde também é inevitável.

Por José Pugas — Sócio e Head de ESG na JGP, presente na COP 28. Confira a agenda da JGP na COP-28.

Artigo publicado originalmente no Pipeline Valor Econômico.