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Crédito via mercado de capitais – duas novas medidas transformacionais

|14.08.2022

Alexandre Muller – sócio e gestor de crédito da JGP

O mercado de capitais no Brasil vem se desenvolvendo de forma consistente nos últimos 10 anos como um relevante canal de financiamento para os agentes privados. O pano de fundo desse movimento é a alteração da política econômica no país, na qual o modelo “desenvolvimentista” de direcionamento/subsídio de crédito encontrou suas restrições orçamentárias e de eficiência alocativa, abrindo espaço para a transferência do processo de financiamento via mercado de capitais. Reflexo dessa mudança, entre 2011 e 2021, os desembolsos do BNDES caíram de 3,17% do PIB para 0,74% do PIB, enquanto as captações via mercado doméstico saltaram de 2,57% para 6,87% do PIB. O saldo de empréstimos bancários direcionados a pessoas jurídicas encerrou junho de 2022 em R$ 685 bilhões (fora R$ 797 bilhões em dezembro de 2016), contra R$ 355 bilhões em estoque de debêntures e notas corporativas mantidas por fundos de investimento (R$ 107 bilhões em dezembro de 2016), sugerindo que ainda há espaço de transição na matriz de financiamento corporativa do país.

A alteração da forma como financiamos o setor privado no país fomentou a expansão de todo ecossistema envolvido no mercado de crédito doméstico. Novas gestoras criaram fundos e equipes dedicadas a crédito, mais instituições financeiras mergulharam na intermediação via mercados primários e secundário, empresas com históricos mais curtos e ratings mais baixos passaram a emitir debêntures e notas securitizadas e muitas pessoas físicas tiveram a oportunidade de realizar, pela primeira vez, um investimento em crédito privado de forma direta, estimuladas pelas isenções de Imposto de Renda aprovadas para títulos voltados ao financiamento de infraestrutura, imobiliário e agroindustrial. O IDEX-CDI, índice de debêntures com bons padrões de negociabilidade no mercado secundário produzido e divulgado pela JGP, foi criado em 2017 com uma amostra original de 48 debêntures, passando a 298 debêntures ao final de agosto de 2022, em outra indicação da magnitude do movimento de financial deepening observado no mercado de crédito local.

Apesar do crescimento na última década, o mercado de crédito ainda persegue ganhos de eficiência, em especial relacionados à redução do custo de acesso para os emissores e do custo de negociação para investidores. A reduzida transparência do mercado de balcão é uma das dificuldades. O leitor pode fazer um teste simples: ao tentar buscar na internet a evolução histórica do spread de crédito das debêntures da Petrobras ou da Vale ao longo de 2022, não encontrará essa informação fundamental para avaliação de um investimento. Outro desafio é representado pela subscrição de 54% das ofertas públicas de debêntures realizadas este ano via instrução CVM476 diretamente por bancos intermediários, que, pela limitação de publicidade imposta pela regulação, ficavam limitadas a um processo de oferta da emissão mais amplo, potencialmente capaz de levar os títulos a mais investidores (gerando benefícios como maior liquidez no mercado secundário) e a um processo de precificação otimizado para os emissores (em particular para as empresas de menor porte, mais sensíveis aos custos de uma oferta ampla sob a ICVM400).

Duas novas medidas devem contribuir para um choque de eficiência no mercado de crédito local. Em primeiro lugar, a obrigatoriedade da marcação a mercado nos títulos de renda fixa, mantidos em custódia de pessoa física a partir de janeiro de 2023, deve elevar o incentivo para que mais participantes se juntem à ANBIMA em um processo que no mercado internacional de bonds é chamado de price discovery, coletando e disponibilizando dados de preços e spreads de forma mais abrangente e funcional para o mercado local. Adicionalmente, a marcação a mercado tende a explicitar os custos de negociação para o investidor pessoa física no mercado secundário, desestimulando a aplicação de spreads de compra e venda abusivos por intermediários. A maior participação do investidor pessoa física no mercado secundário de renda fixa a partir da marcação a mercado abre caminho para possibilidades adicionais de desenvolvimento, como plataformas eletrônicas de negociação, mas também traz seus desafios, como a administração da volatilidade de preços dos títulos (em especial os de prazo mais longos). De toda forma, é uma medida crucial para a melhor eficiência de alocação em crédito privado e uma pré-condição para uma nova perna de desenvolvimento do mercado de capitais como agente de financiamento no país.

Uma segunda medida de importância equivalente é a nova instrução para ofertas públicas n. 160 divulgada pela CVM, com adoção programada para 2023. A ICVM160 unificará as instruções ICVM400 e ICVM476, simplificando o processo de emissão de valores mobiliário e, principalmente, encerrando o processo de limitação de exposição a 75 investidores da ICVM476 (instrução que respondeu por 96% do volume captado em debêntures no 1º semestre de 2022), que criava quase uma restrição de acesso a ofertas para um grupo menor de investidores com maior escala (incluindo instituições intermediárias) limitando o processo de precificação eficiente para o emissor e restringindo a base final de investidores no título. A ICVM160 traz ainda a proteção regulatória representada pela condição de investidor vinculado, antes prevista somente na ICVM400 e não na ICVM476, restringindo a alocação de intermediários e emissores em bookbuildings com excesso de demanda de investidores não vinculados, medida chave para eficiente precificação, redução do custo de emissão e ampliação da base de investidores em ofertas públicas. Essas duas novas medidas serão fundamentais para o próximo ciclo de expansão do mercado local de crédito. Todo o otimismo com a perspectiva de continuidade da expansão do crédito competitivo para mais empresas e setores no país somente se sustenta, entretanto, em um cenário de redução das distorções causadas pelos programas de direcionamento de empréstimos conduzidos pelo setor público em escala industrial, seus custos fiscais e ineficiências alocativas. A consciência dos governos de que a competição via livre mercado para encontrar os projetos e empresas com melhores perspectivas de rentabilidade e capacidade de repagamento foi e continuará sendo o pilar central para o desenvolvimento do mercado de capitais e de uma matriz de crédito cada vez mais eficiente para a economia brasileira.